quinta-feira, 12 de março de 2009

Noites em claro

O relógio aponta meia-noite. É hora de descansar o corpo das idas e vindas do dia e de esvaziar a cabeça da correria mental das últimas 24 horas. Com um clique apago o interruptor de luz, após ler algumas páginas das crônicas do bardo folk. Fecho os olhos. Num estado de quase sono, quase vigília, tento me desprender da realidade. Ah se fosse tão fácil desligar os pensamentos que passam velozes do mesmo modo que desligo a luz.

Por um momento fugaz o sono se apodera de mim, e vai embora tão logo quanto chegou, num espasmo de uma perna inquieta. Lá fora, um assovio toma conta da rua: é o lixeiro cujo sibilo poderia muito bem ter saído de um desenho animado da Disney. Tento identificar a música, mas o caminhão já vai longe...
Espio o relógio: já são duas horas. Levanto até a cozinha e tomo um gole de água como se tivesse sido o último boêmio a deixar o bar. Outra olhada nas horas e o ponteiro marca cinco horas. É incrível como a noite pode passar tão rápida para os insones. Uma tentativa de leitura enquanto o sono não vem é ineficaz – lá se vão cinqüenta páginas e o estado de alerta é total.

Ligo o televisor na vã expectativa de encontrar algo que me deixe sonolenta. Após passar por todos os canais, desligo o aparelho e tomo mais um gole de água. O corpo começa a pedir repouso, mas a mente está em outro ritmo, e ignora a trégua. Em meio à escuridão, os pensamentos escapam num turbilhão de imagens e vozes impossíveis de serem controlados.

A sexta hora da manhã é anunciada pelo canto do galo que mora ao lado – o desespero do dia que chega sem que o outro tenha terminado é o prelúdio da exaustão diária. Quando todas as tentativas de adormecer já foram gastas e não resta uma ínfima probabilidade de escapar do estado de vigília, adormeço.

Embora o sono tenha chegado, o descanso não é suficiente para suprir a falta de forças e a sensação é de eterno cansaço. É como se, na aurora do dia seguinte, todos os movimentos e todos os diálogos das pessoas fizessem parte de um filme cujo roteiro foi feito para confundir seus personagens: levá-los a lugar nenhum, com ações despropositadas, num mundo que oscila entre a realidade e o devaneio. A insônia é assim, esta vil companheira que, com seus artifícios, chega sorrateira para ficar horas a fio, nas minhas noites em claro.

"Nas grandes horas em que a insónia avulta
Como um novo universo doloroso,
E a mente é clara com um ser que insulta
O uso confuso com que o dia é ocioso,
Cismo, embebido em sombras de repouso
Onde habitam fantasmas e a alma é oculta,
Em quanto errei e quanto ou dor ou gozo
Me farão nada, como frase estulta(...)"


(Fernando Pessoa)

Um comentário:

Jeferson Vainer disse...

Depois que inventaram a luz elétrica, o sol só serve pras plantas e pra tomar sorvete enquanto se passeia pelo parque com alguém que tenha a capacidade de expulsar as pessoas do senso comum.