quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Impotência


and i

i hoped that things would turn out my way

O meu desejo ontem, além de não atrasar mais um post, era falar sobre uma matéria que li na revista Superinteressante e discorrer sobre as coisas que a gente (não) aprende na escola e que acabam por não ser verdade, ou por mudar de verdade. Só que um fato e um sentimento apareceram no caminho e eu acabei mudando os planos, mudando o sono, mudando os pensamentos... deixa eu explicar.

Trouble is her only friend

And he's back again.

Makes her body older

Than it really is.


Quase no momento em que me sentei na frente do computador, minha mãe veio me avisar que estava saindo para dar uma volta. Ela fechou a porta e eu comecei a digitar. Não cheguei a terminar o primeiro parágrafo, pois ouvi ela dizendo: “Tem um gato agonizando aqui na frente de casa.” Logo perguntei: “O quê?”, e ela “Um gato. Acho que foi envenenado”. No momento em que eu pensava Peraí! Nós temos uma gata linda, que se chama Bibi e que está na rua..., a minha mãe falou “Não é a Bibi”. Deixei o alívio de lado e fui ver, afinal, o que estava acontecendo.

Perto do portão de casa, um gato macho, preto, de patas brancas, estava deitado de lado, arfando forte, tentando colocar mais pra fora da gosma branca que saia de sua boca. Era lindo, mas sua dor me aterrorizava.

O que podemos fazer? Fomos nos vizinhos da rua, não era de ninguém. Ligamos para pessoas por perto, que sabíamos possuir este tipo de animal de estimação. Nada.
Minha mãe disse: “Não há nada que possamos fazer”. Impotência. Como não? Não há um veterinário nesta merda de cidade? Lembrei-me que o responsável de fazer a castração da minha gata por um preço módico cuidava de animais de grande porte, não de pequeno. “Vou sair pra caminhar. Não vou sofrer por um gato que nem é meu.” Disse a mãe, e saiu.

Is it a warning? Is it an evil sign?
Is it a people who have lost their mind?
Is it the Darkness?
Is it a man resigned?
Is it a best friend leaving you behind?

Is it ever gonna stop?
Will they ever let you go?

You're in a rush, they don't care enough 'cause they're lives are very slow

Time is ticking on, you don't get a second shot


Votei pro computador. Uma das melhores amigas estava no messenger. Veio falar comigo, lhe contei a história. Ela me disse que a cachorrinha dela (que, aliás, tem o mesmo nome da minha gata) havia tentado comer sapos e a situação era parecida. “Lava a boca dele com água, que, se for isso, vai passar”.


Peguei um pano velho, fui pra frente de casa. Ele ali, agonizando. Enrolei-o no pano e fui até o tanque. Com uma sacola protegendo as mãos lavei toda a sua cara assustada, com carinho. Ele tinha convulsões fortes e era difícil segurá-lo. Mais difícil ainda era segurar o choro, o que se tornou impossível com o passar dos minutos e nenhum sinal de melhora. Impotência. Liguei pro veterinário, quase meia-noite. “Certamente deve ser envenenamento. O ideal é dar um antitóxico, só que eu não tenho e você não conseguirá em outro lugar a essa hora da noite. Não há nada mais a ser feito.”. Impotência.


And you've seen a thousand times

There's not much justice in the world


Levei o animal até o chão, onde havia um desnível, e fiquei dando água a ele, tentando ajudá-lo a vomitar. Nisso, meu namorado liga. Eu já tinha ligado umas três vezes para ele sem obter resposta. Agora entendia o porquê. Sua voz e a risada eram o representante claro da felicidade. Eu havia esquecido que o mundo continuava a girar enquanto eu estava ali. “Estávamos no teatro, eu e uns amigos, vendo o show daquela banda!”. Ah, aquela. Aquela que havíamos combinado de assistir juntos. Impotência. Não consegui segurar o choro e tive que explicar a situação. Combinamos dele me ligar mais tarde, pois não estava telefonando de seu próprio celular. “Você me liga quando chegar em casa?” “Ligo, mas tenta se acalmar”. Só que ele não ligou, apenas mandou uma mensagem dizendo que ia dormir na casa de um amigo.

And I'm standing all alone
I'm not that bad

In my

In my heart


I am guilty

And of that I confess


Foi quase na mesma hora que a minha mãe chegou. A mesma frase: “Não há nada que você possa fazer”. Só que ela tinha mais a dizer. “Vamos levá-lo até o campo abandonado, do outro lado da rua. Se ele ficar aqui, você vai ficar sofrendo com ele o resto da noite.” Como será que ela sabia?! “E, além do mais, você que é alérgica tinha que estar se cuidando mais.”

Coloquei um par de luvas e agarrei o animal, que ainda agonizava, os olhos desesperados. Levei-o até o outro lado da rua e tive o cuidado inútil e estúpido de colocá-lo em lugar que parecia mais confortável.


He knows the price that he's paid.

He admits that it's too late to admit that he's afraid.

Tomorrow comes. Sorrow becomes his soul mate.
The damage is done.


Impotência
. E agora culpa. Voltei pra casa, sã e salva. Minha mãe disse que eu deveria tomar um banho. Depois me trouxe álcool. Fui tomar banho. Tive o cuidado de lavar cada pedacinho do corpo. Peguei a toalha, me sequei. Coloquei um pouco de álcool em um algodão e comecei a esfregar pelo corpo. Mas não era a pele que eu queria limpar, era algo como a mente ou alma. Queria me livrar da culpa, me livrar da raiva, da tristeza, e, principalmente, me livrar do pior sentimento, a impotência.


And I see no bravery,

No bravery in your eyes anymore.

Only sadness.

Não é a primeira vez que lido com esse sentimento, mas é a primeira vez que tenho consciência suficiente para analisá-lo. E é a primeira vez que não tenho ninguém para me abraçar, é a primeira vez que estou sozinha. Quando eu era pequena ganhei um sorvete, desses de máquina (que, na época, eram uma novidade). Acho que não dei duas lambidas e deixei-o cair no chão. É a primeira vez, que eu me lembre, que lidei com o sentimento de impotência. Não havia o que fazer. E eu chorei. Não porque minha mãe me xingára o que não aconteceu, ou porque eu não poderia ganhar outro, e eu poderia, mas não quis. Fiquei pensando nas outras crianças que queriam um sorvete também, mas não podiam comprá-lo. Foi sem querer, mas mesmo assim me sentia culpada. Minha mãe me acalmava e me dizia que não era nada, enquanto eu aproveitava, pela primeira vez, o sabor de um dos meus defeitos, a culpa constante.

Só que, naquela época, eu tinha com quem dividi-la. Hoje não mais. Pensei em ligar pro namorado, mas resolvi deixá-lo em paz. Queria que todos, como eu, abrissem mão de certas coisas pelo bem de outras, só que, se nem eu sou capaz de levar esse lema as últimas conseqüências, como posso exigir que os outros façam o mesmo?


Sometimes it's hard to believe you remember me.

Will you be my shoulder when I'm grey and older?
Promise me tomorrow starts with you


A segunda vez que me lembro de identificar a impotência foi quando li O Caçador de Pipas. Khaled Hosseini, pra mim, soube descrevê-la verdadeira (provavelmente, por ser, antes de escritor, médico), como é este sentimento, mas eu ainda não tinha tido a oportunidade de experimentar o seu sabor assim, tão puro. Impotência.


I'm so tired of never fixing the pain

Valium said to me: I'll take you seriously,

And we'll come back as someone else,

Who's better than yourself?

Provavelmente, seja esse o pior sentimento, o que não há cura, o qual nenhum psiquiatra tem um remédio para receitar. Eles podem controlar sua raiva, sua obsessão, sua ansiedade e até sua tristeza, mas ninguém pode fazer nada contra a impotência. Ninguém, mas o pior é descobrir-se sem nada poder fazer. Eu não tenho mais o que fazer. Assim como não tenho o que fazer contra as armas que matam tantos, o que fazer para amenizar tanta destruição, tanto terror.


I guess it's time I run far, far away; find comfort in pain,
All pleasure's the same: it just keeps me from trouble.

Hides my true shape, like Dorian Gray.

I've heard what they say, but I'm not here for trouble.

It's more than just words: it's just tears and rain.

E assim eu fiquei, me sentido culpada, sozinha e impotente. E, como quando eu era pequena, uma hora vai passar.

its not often that im sick of life
but its alright
its alright



PS1: Letras de James Blunt, retiradas do Letras.Mus. Nessa ordem, das seguintes músicas: Allright Tonight, Carry You Home, I Can't Hear The Music, If There's Any Justice, Here We Go Again, Billy, No Bravery, Beautiful Down, Give Me Some Love, Tears And Rain e Allright Tonight.
PS2: Prometo fazer o possível para postar em dia a partir de agora.

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